O que fazemos das nossas vidas? Qual o nosso propósito? Temos um? Temos que nos preocupar com isso? Onde estaremos em um ano? E em dez? Se planejarmos as nossas vidas, então viver é apenas seguir um plano previamente estabelecido? Ou devemos improvisar? Ou os dois? Temos escolha?
Com delicadeza e simplicidade raras em qualquer arte, o filme Boyhood, faz todas essas perguntas e sabiamente não responde nenhuma. É um filme sobre a passagem do tempo, sobre a juventude e o amadurecimento, gravado ao longo de doze anos, no qual acompanhamos sem piscar a vida do jovem Mason em pequenos fragmentos, pequenos instantes, significativos ou não, dos seus 6 anos até seus 18 anos.
Nas quase 2 horas e 45 minutos de filme, vemos um garoto tímido crescer através de curtas passagens na sua vida. Segundo o diretor Richard Linklater, o mesmo da trilogia de Antes do Amanhecer, todos os anos ele reuniu os atores e a sua equipe para apenas 3 ou 4 diárias de filmagem. É um trabalho meticuloso e bem-pensado, que se reflete em uma história que é quase uma não-história. Não-história porque não há trama que percorra o filme. Assim como nas nossas vidas, qualquer situação que pareça difícil de ser superada se torna uma mera lembrança anos depois, sendo apenas acrescentada ao conjunto de memórias de que somos feitos.
Existem filmes cujos tramas abarcam acontecimentos maiores do que a vida. Os exemplos mais extremos que eu me lembro agora são dois dos meu longa-metragens preferidos: 2001 – Uma Odisséia no Espaço, cuja trama é a própria aventura da humanidade, ao longo de milhões de anos, do seu surgimento até o seu provável fim, e A Árvore da Vida, que precisa contar antes de tudo o início do próprio Universo, a formação das estrelas e o surgimento da vida na Terra para colocar em perspectiva um drama familiar durante a década de 1950.
Boyhood, por outro lado, é um filme que cujo tamanho é uma vida. Mas apesar de ser mais concentrado em um espaço-tempo especifico que os outros dois, também compartilha o mesmo olhar sobre a efemeridade da vida. Afinal, é um filme sobre a experiência humana pura e simples. Assistir Boyhood é como ver um álbum de fotos, lembrando-se da época em que elas foram tiradas. Dessa maneira, pondo os diversos períodos de uma vida à nossa frente, o filme nem sequer propõe que reflitamos sobre as nossas próprias, apenas sugere discretamente, não mais do que faz um retrato.
É interessante notar como em diversas cenas esperamos que algo de trágico vá acontecer, alguma morte ou algum acidente logo após algum diálogo que pareça ser um prenúncio. Ou então esperamos que os personagens tomem atitudes desesperadas, que o melodrama se aprofunde e que rios de choro e emoção fluam. Bom, nada disso acontece como esperamos e quase tudo termina bem. Afinal, quantas vezes não estivemos perto de fazer alguma besteira realmente séria quando jovem? E a maioria de nós está aqui ainda, não é verdade? Dando destaque para essas cenas, o diretor nos conduz a refletir na sorte que temos apenas por estarmos respirando.
Mesmo assim, perto do final do filme, um dos personagens se decepciona, ainda que esteja feliz com a própria vida, e diz “E agora? Achei que seria mais!” Na cena seguinte, em outro lugar e alguns dias depois e com outras pessoas, o protagonista indiretamente responde que a vida “é sempre o agora”. No final, tudo o que temos é esse instante, esse de agora, que você está usando para terminar de ler esse texto. O que você vai fazer depois?